terça-feira, 22 de setembro de 2015

As palavras e as coisas

Meu assunto esta semana é o arrependimento. Sempre achei uma palavra linda mesmo antes de saber o que significava. Não sei você, querido leitor, mas eu tenho algumas palavras tão queridas que são como parentes comparáveis ao tio Evandro que eu quase nunca vejo ou ouço, mas quando aparece na cabeça ou pessoalmente me fazem sorrir. Em toda língua que procurei aprender tenho minhas predileções. São preferências sonoras e nada ou pouco tem a ver com qual significado daquele significante. O título mesmo deste post peguei carinhosamente emprestado de Michel Foucault - belo nome. Quelquefois é uma das francesas. Dá vontade de comer quelquefois de tão gostosa de falar. No meu caso vontade de comer é sempre e esta fofura significa "às vezes". Estou particularmente intrigada com estas palavras há umas três semanas. São elas: Arrependimento, culpa, perdão e indulgência. Vamos por partes. Não me conformo quando alguém fala esta frase acompanhada da gasta piada: "como Jack". Vejam vocês que este assassino esquartejador roubou-nos a pureza de uma expressão tão útil como esta. Imperdoável. Rien, rien de rien... Je ne regrette de rien. Canta Edith Piaf com aquela voz metalizada e exótica que "Não se arrependia de nada". Com a história de vida dela, bem contada no filme tenho certeza que o livro da sua vida deveria ter umas páginas coladas. Prefiro a honestidade cantada por Sinatra e Elvis e, por último (e mais importante para mim) pela cantora lírica Gélcia Improta - minha amiga. Regrets, I've had a few but then again, too few to mention". Ou seja, mais ou menos do meu jeito. tenho muito mais a agradecer que a pedir. Assim que inaugurei este blog em 2009 publiquei como primeiro texto "Influências e Agradecimentos". Isso mesmo começo pelo final. Como se as cortinas do espetáculo da vida pudessem se fechar a qualquer momento. E esta transitoriedade de tudo por aqui, inclusive e principalmente de nós mesmos. Vamos passar. Mas já escrevi bastante e não fui direto ao assunto, conforme meu costume. Hoje, ao pôr do sol, começa o Yom Kipur - o dia do perdão. Uma tradição judaica especialmente querida para mim. Não sou judia, nem budista, nem católica. Mas pego carona no que há de mais interessante para mim nestas e junto com minha origem presbiteriana, fazendo minha própria religião. Desculpe se esta afirmação escandalizar algum leitor mas o Deus é meu, individual e intransferível como meu cartão de banco. E as religiões estão todas aí para isso mesmo: religar as pessoas com Deus, sua espiritualidade e alma. Se de um lado os homens transformam o nome de Jeus ou Deus ou a trindade inteira por tiranos de culpa e massacre de almas. Por outro lado, aprendemos que o remédio para os males da culpa e do arrependimento tem como antídoto o perdão e a indulgência. O perdão dá ao ofendido uma certa posição de poder de Juiz. Pode te perdoar ou não. Mas, pelo simples ato de pedi-lo, já fez sua parte. Já a tão mal-falada indulgência que eram vendidas na época da reforma protestante do século XVI, como estudamos na escola, na igreja ou no Google. Palavra linda: indulgência. Parece com a sonoridade de inteligência, combina com excelência. E, em português de rua, é deixar barato. Entender que o outro não fez por mal. Tirar a culpa - desculpar. Libertar-se e, principalmente crescer em autoconhecimento e conhecimento da alma do outro. Desconfio seriamente que estamos neste mundo para isso.